Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês

No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.

No primeiro episódio da segunda temporada, Sara conversa com o arquiteto José Manuel Carvalho Araújo sobre o projeto para a Casa do Gerês localizada em Vieira do Minho. Ouça a entrevista e leia a transcrição da conversa, a seguir:

Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 2 de 14Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 3 de 14Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 4 de 14Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 5 de 14Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Mais Imagens+ 9

Reveja as entrevistas da primeira temporada do podcast No País dos Arquitectos:

Sara Nunes: Nós estamos muito entusiasmados porque hoje vamos estar a falar de um projecto, que eu já tive o prazer de visitar e espero que as pessoas depois desta conversa tenham também essa vontade de conhecer a casa. O arquitecto tem sede em Braga, mas tem um longo percurso trabalhando em muitas outras geografias, nomeadamente no Brasil, onde tem inclusivamente escritório. Para além disso, tem uma larga experiência também a desenhar casas. Com a sua experiência e daquilo que vai reflectindo, acredita que há uma forma de habitar portuguesa?

Carvalho Araújo: Não sei. Não sei a melhor resposta para a maior parte das questões que são colocadas. Não sei... mas leva-me a pensar que não. Certamente que o há, mas gosto de pensar que não. Há sempre espaço para a procura de outras formas de habitar e por isso é que eu digo que não... Não há uma forma muito clara de habitar em Portugal diferente dos outros lados. Depois isto tem a ver com aquilo que são as culturas, os hábitos de cada lugar e aí o arquitecto tem de se preocupar com isso tanto em Portugal, como nos outros lugares. E, mesmo dentro de Portugal, há formas de viver diferente.

SN: E acredita – coloco esta pergunta em jeito de provocação porque sei que gosta de desafios – que há uma forma de desenhar casas própria do seu atelier?

CA: Nós preocupamo-nos muito em responder ao cliente, em tentar sentir os lugares e isso já é uma forma de compreender o cliente. Porque se o cliente comprou esse espaço, ou esse lugar se nós o sentirmos já estamos a tentar compreender o melhor possível o cliente. Não há forma. Já um professor meu (o arquitecto Fernando Távora) me dizia que nos lugares encontra-se a maior parte das respostas e isso é verdade. Portanto, cada projecto é um novo desafio e é uma oportunidade para procurarmos. Eu não sei bem o que procuro, mas sei que procuro. Penso que isso responde à questão. Não há uma forma, uma fórmula de fazer casas.

Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 8 de 14
© Hugo Carvalho Araújo

SN: Agora que falava que encontra as suas respostas nos contextos e nos lugares parece que estamos também a falar da Casa do Gerês. Esta Casa situa-se no Gerês, tal como indica o nome no Vale da Caniçada. É impossível falar desta casa sem falarmos do seu contexto e da sua relação com a natureza. Sei que uma das primeiras preocupações foi disciplinar o ribeiro que existia no terreno. Fale-nos sobre este lugar antes de esta casa ser desenhada e de que forma é que desenhou também a natureza e a relação entre estas duas partes, que é tão forte nesta casa. 

CA: Como disse, a linha de água talvez tenha sido a razão da existência deste projecto. Ou seja, sempre que havia alguns invernos rigorosos a linha de água causava estragos, transbordava, derrubava muros. E num dos invernos parte de uma pequena construção – uma habitação de caseiros que lá existia – também sofreu consequências. Foi a partir dessas pequenas e grandes catástrofes que surgiu a hipótese de repensar fazer uma casa ali, reconstruindo ou requalificando a que existia. E então foi aí que tudo começou, mas a primeira grande preocupação foi, de facto, redesenhar a linha de água. Ou seja, domesticá-la. Criamos uma série de pequenas bacias que iam acalmando a velocidade com que a água vinha por ali abaixo. Através de umas pequenas comportas muito artesanais, tentamos controlar a velocidade da água e, em simultâneo, introduzimos uns volumes de betão que dialogavam com alguns penedos existentes. Logo aí começamos a preocupar-nos com o lugar e com uma nova imagem do lugar. Quando as pessoas dizem que há um grande respeito pelo lugar, sim, é verdade, há um respeito pela atmosfera que se vive nos lugares, mas os lugares são bastante trabalhados. Nós aqui costumamos utilizar o termo que é ‘preparação topográfica’. Pensamos um pouco nisso. Ou seja, pensamos em como vamos mexer e desenhar o próprio território de forma a criarmos melhores condições possíveis para depois desenvolvermos o projecto. 

Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 12 de 14
© Hugo Carvalho Araújo

SN: A mistura entre o natural e o artifício.

CA: É um pouco isso. Agora no final isto tem que resultar é no equilíbrio. Isto é, no equilíbrio sem perder a característica e as atmosferas do lugar, em específico. Aqui na Casa do Gerês foi um pouco isso que aconteceu. Puxamos a casa um pouco à frente, aproveitando o declive do terreno. 

Aquilo é um anfiteatro, tem uma forma de anfiteatro, e nós colocámos também a casa ao centro de forma a tirarmos partido disto, mas depois há uma série de plataformas com temáticas que nos vão permitindo organizar o território de outra forma. No final, é neste equilíbrio e neste diálogo deste trabalho no terreno juntamente com a linha de água que propomos a casa, que é também um projecto muito simples com uma história curiosa. Mas, no fundo, também a casa ajuda nessa preparação do território. A casa limita-se depois a ser uma grande plataforma horizontal em betão, que se prolonga sobre a linha de água e um elemento vertical de contenção ao terreno, que ganha espessura, que ganha dimensão para poder albergar todos os programas técnicos e serviços da casa, desde os acessos, as escadas, a casa de banho e a cozinha, libertando o grande plano horizontal para uma grande sala. Este duplo muro vertical, este elemento vertical, também serve de ancoragem à casa propriamente dita, que é um volume, uma caixa em madeira, que se pretendia que fosse apoiada nessa parede e depois que estivesse projectada. Mas depois houve problemas de várias ordens, nomeadamente estruturais e também financeiros. Não se levantou essa questão, ficava caro. Esse volume é ancorado ao muro e apoia com uns pilares muito pequenos diluídos na caixilharia de alumínio, de forma a transmitir esta leveza e esta levitação e evidenciar aquilo que também é uma das bases desta casa, que é explorar a caixilharia porque o dono (José Maria) tem uma empresa de caixilharia minimalista. E esse é o tema base da casa. 

SN: Há aqui várias coisas que o arquitecto foi dizendo e quase que nos foi fazendo uma viagem pela casa. Eu espero que as pessoas que não conhecem o projecto se estejam a sentir dentro da casa e a visualizar. Começava pelo princípio em que falava desta natureza que também foi construindo junto com a sua equipa. É uma coisa que eu senti ao entrar na casa porque primeiro há o confronto com esta natureza, mas a casa não é logo revelada. Parece que o José é quase um realizador em que cria no espectador a sensação de suspense até que a casa se revela. Entretanto depois há também a entrada na própria casa que é feita por umas escadas, encerradas em relação à paisagem. Portanto, há sempre esta ideia de suspense e depois de revelação. Não sei se foi propositado, mas sinto que estes momentos por um lado de clausura, depois de abertura, por um lado de refúgio, depois novamente a abertura... Existe sempre esta dicotomia. Teve essa preocupação?

CA: Gostamos muito de valorizar a parte emocional da casa e dos projectos. Há uma preparação e os projectos vão atrás um pouco desta parte emocional. Ou seja, as pessoas têm de ser convidadas e provocadas a viver os espaços. A descoberta dos projectos acho que é um...

Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 7 de 14
© Hugo Carvalho Araújo

SN: Eu penso que essa é a palavra certa para esta casa... é uma descoberta!

CA: Para esta e para outras! As obras devem-se ir descobrindo. Não deve ser um processo fácil. E esta Casa do Gerês vive um pouco isso. Sugere e convida, mas não facilita. Portanto, quando chegamos à casa existe a tal valorização do lugar. O lugar está mais presente do que a casa, mas sentimos que existe qualquer coisa, que é um grande deck em madeira que tem, salvo erro, entre 90 cm a 1 metro de altura, que sugere ou convida a subir, mas não facilita. A subida para cima da cobertura não é muito fácil, mas dá vontade de ir. Como não é fácil, as pessoas são obrigadas a contornar. Ou vão para um lado, ou vão para o outro. Se forem para um lado, vêem um percurso que vai dar à linha de água, ou à cascata; se forem para o outro, vêem um pátio que separa dois pequenos volumes. Ou seja, aí começa um pouco a história da casa. 

SN: Parece que dá pistas!

CA: Dá pistas, mas não torna o processo de apropriação fácil. E depois temos uma escada entre muros, que é o tal elemento vertical que ganha espessura e que nos leva à casa de uma forma mais contida. Quando entramos na casa, somos deparados com o grande pé direito duplo, que é o espaço central da casa. Trata-se de uma casa que não é muito convencional, mas que é um misto entre habitação, showroom, espaço experimental, social, o que quiser... Tem muito a ver com o cliente José Maria. E depois quando estamos lá dentro olhamos para a frente e temos a paisagem através de umas janelas não muito altas. É quase como se emoldurasse a paisagem. Quando olhamos para os lados temos o posto de vidro com 6 metros de pé direito a explorar toda esta técnica e esta capacidade das janelas. Ou seja, há um percurso de preparação até nos apercebermos e descobrirmos os espaços. E depois é aquilo que eu acho que é importante na arquitectura. A arquitectura pode ser muito bem desenhada, muito bem equilibrada, mas o importante é aquilo que não se explica, que provavelmente não está no desenho, mas que se sente. Visitando a casa temos esse sentimento, essa sensação de qualquer coisa que nos é oferecida e que não sabemos explicar. Eu acho que isso é bom para a arquitectura, mais importante do que essas imagens de postal que andam à volta da casa. 

Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 11 de 14
© Hugo Carvalho Araújo

SN: Há pouco falava sobre a questão da importância que o cliente teve nesta obra. O cliente é dono de uma empresa de caixilharias, a Ecosteel, e parece que a obra também foi aqui uma oportunidade para experimentar e levar ao limite estas caixilharias mínimas. Como disse, tem umas janelas de pequena dimensão, mas há outras que vencem alguns desafios de Engenharia, nomeadamente algumas que têm alturas de 5 metros, outras que são motorizadas. A minha pergunta é: quem é que desafiou quem neste processo de inovação destas caixilharias para esta casa? Foi o cliente ou o arquitecto?

CA: O processo desta casa (como eu disse no início) numa primeira fase foi resolver as intempéries, redesenhar a linha de água e a partir disso fazer uma casa. O processo é interessante. Na altura, o José Maria viajava muito comigo para o Brasil. Eu ia frequentemente ao Brasil por causa do escritório. Apresentava trabalhos, aproveitava as viagens, mostrava-lhe os trabalhos que levava e essa era também uma forma de desenvolver alguma capacidade. Isto é, capacidade de argumentação para que na altura da apresentação dos trabalhos pudesse estar mais preparado. Íamos falando disso. O José Maria costuma dizer que eu desenhei a casa no avião. Surgiu a hipótese de desenhar a casa, mas esta cumplicidade é muito importante no desenvolvimento dos projectos. Ele às vezes dizia-me: ‘Mas a casa podia ser assim como aquela que desenhaste’, e referia-se a determinados pormenores de alguns projectos que eu pegava no iPad e ia buscar alguns projectos e perguntava-lhe: ‘É esta que dizes, ou é aquela de que estás a falar?’, e ele respondia na negativa. Quer dizer, ele dizia que não algumas vezes. Então isto leva-nos a concluir que a arquitectura é como um livro. Cada um faz a sua interpretação daquilo que ouve e daquilo que vê. E nesta casa eu acho que é interessante porque ela responde. É de uma grande responsabilidade porque eu estava a fazer a casa para uns amigos e a casa tem de ser demonstrativa disso. Eu penso que quanto melhor eu compreender o amigo, melhor resulta a casa. O contrário também se aplica. A casa tem de demonstrar que, de facto, existe essa cumplicidade, esse entendimento. Portanto, ela foi feita a partir destas vontades, sugestões. O José Maria é uma pessoa muito particular, desafiou-me muito, deu-me muita liberdade. 

Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 6 de 14
© Hugo Carvalho Araújo

SN: Eu ia dizer exactamente isso. Referiu que ele de vez em quando dizia que não, mas eu sinto que a casa tem muita liberdade.

CA: Dizia que não perante aquilo que eu lhe apresentava como exemplo do que ele se referia. 

SN: Ok, ok. 

CA: Ele via coisas que eu provavelmente não via. Isso é interessante porque nós nunca haveremos de nos conhecer a nós próprios, nem entender os outros da forma que eles pensam. E a casa surgiu um pouco destas viagens. Surgiu a partir destas conversas, destes desafios. De facto, ela teve várias fases. A suite principal, que é um volume ao lado, chegou a ser um monta cargas.

SN: Era um monta cargas?

CA: Chegou a ser um monta cargas em termos de projecto para levar motas e sidecar para dentro do grande espaço da casa. Depois já não sei porquê, mas anulou-se essa ideia e então transformamos aquilo na suite principal, que é aquele quarto de pedra e a casa foi-se desenvolvendo nestas ditas viagens. 

SN: Para além destas conversas que foi tendo com o José Maria e destas viagens, sei que o arquitecto também desenha muito à mão, também gosta muito de fazer maquetes, seja com que material for, com cartolina ou betão. Pergunto-lhe também se houveram muitas maquetes nesta casa. Qual foi o processo criativo e também com a sua equipa? 

CA: Sim, houve muitas maquetes. Nós fazemos muitas maquetes. Não há espaço para as guardar. Periodicamente pegamos nas maquetes e deitamos fora. Nesta casa, em particular, temos aqui uma maquete de volumes em betão. Talvez por ser pesada, por ser grande e por ter resultado bem continuamos a guardá-la. Como eu estava a dizer, nesta casa em particular, esta relação, esta cumplicidade com o cliente foi muito importante. Gostamos de procurar a participação do cliente. Isso é uma forma de ele interiorizar mais o projecto e de se identificar muito com ele. E esta casa é uma casa pouco convencional. Isso é enriquecedor e ao mesmo tempo que é habitação é também um espaço social, showroom... Desde o início que era um espaço experimental. O José Maria fazia questão que eu desenhasse a maior parte das peças, ou que a maior parte das peças – mesmo que não desenhadas especificamente para a casa – fossem da minha autoria. Neste caso, as louças sanitárias são, as torneiras são... a cozinha, a mesa, o próprio caixilho é para um sistema que eu estava a desenhar. Não é o que se encontra lá porque, entretanto, ainda não ficou pronto. Este lado experimental e de um espaço aberto, que socialmente também o transformava em showroom foi um dos aspectos mais interessantes no processo criativo. 

Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 9 de 14
© Hugo Carvalho Araújo

Ou seja, entender a casa como um acto estratégico, não definitivo porque ela nunca está terminada. É uma base em que vai acontecendo muitas coisas. E hoje vê-se que a casa também cria cenários para alguns vídeos, catálogos, passagem de modelos, eventos, almoços, jantares... funciona um pouco com tudo e tem aguentado isso. O que estou a tentar dizer é que existe esta escala e esta dimensão, mas só quando chegamos à casa é que sentimos isso. Eu penso que mesmo com esta escala toda, a casa é confortável. Mesmo estando só meia dúzia de pessoas, ela comporta-se muito bem, assim como se comporta bem com um grande número de pessoas. 

Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 10 de 14
© Hugo Carvalho Araújo

SN: Mas é engraçado também esse contraste, não é? Por um lado, tem o espaço social que é imponente e aberto, mas depois subimos ao piso superior e o piso superior é muito mais confortável no sentido em que a madeira nos dá esse conforto. A temperatura parece mudar no espaço e é um espaço quase de refúgio. Parece ser uma casa na árvore, ou ao mesmo tempo quase um camarote de navio. Não sei se foram também essas as referências.

CA: Não propriamente. Havia aqui a necessidade deste diálogo entre estas escalas e, no final, este equilíbrio. Agora o que se sente é diverso. Muita gente já lhe chamou cabanas... Existe um pouco isto de ir buscar aos vários ambientes... depois cada um faz a sua interpretação, mas muito relacionada com o lugar. É interessante essa interpretação de casinhas na árvore. É interessante porque aquilo está envolvido por árvores. Muitas que se encontram plantadas, outras já existentes, mas mais importante é este jogo e este contraste entre diferentes dimensões, diferentes escalas e depois sentir isso como um todo, um todo equilibrado. Depois de a obra estar feita parece que é mais difícil falar sobre ela porque começamos a ter feedback de utilizadores, de críticos e a casa e as próprias obras revelam-se noutros sentidos, noutras direcções, noutras opiniões. Torna mais difícil termos um discurso e uma ideia muito fechada do que é a casa. Eu, pelo menos, procuro um pouco isso na arquitectura. Acho que o meu papel na obra termina a partir do momento em que... Isto é, enquanto estou no projecto é a minha casa, mas a partir do momento em que eu entrego a casa e a obra está concluída passa a ser a casa de outro. Neste caso em específico, a casa do cliente. 

SN: Pergunto-lhe o que é que aprendeu sobre a arquitectura depois desta casa?

CA: O que é que aprendi sobre arquitectura? Hum... Não sei. O que é que esta casa trouxe? De imediato, é difícil uma resposta do que é a aprendizagem. Provavelmente a aprendizagem é aquilo que não apreendemos de imediato. O importante nesta casa foi, de facto, o processo de desenvolvimento da própria casa em que valorizamos muito esta cumplicidade. O que é que eu aprendo desta casa? No fundo, valorizo muito o processo e que a casa responda e se enquadre no nosso processo criativo. Penso que esta valorização do lugar, do compromisso – como uma forma e uma estratégia de o cliente se identificar com a obra – é muito difícil. Quando isso se consegue, a arquitectura vai resultar melhor. Este ambiente de provocação à descoberta dos espaços, essas experiências é que eu valorizo muito nestes projectos.

Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 5 de 14
© Hugo Carvalho Araújo

SN: Uma coisa que me deixou curiosa há pouco foi quando disse que havia coisas que tinha desenhado para a casa, nomeadamente uma caixilharia que ainda não estava pronta. Este processo de experimentação ainda continua a ser uma realidade, ainda que a casa esteja terminada?

CA: A casa está terminada. Deixa de ser nossa para ser de outro, mas eu quando estou num projecto assumo muito esse papel de cliente. A casa é como se fosse para mim, assumo o papel e tento representar a pessoa para quem estamos a desenhar. A partir do momento em que a obra fica pronta é entregue este testemunho. Neste caso há esta aproximação porque continuamos a pensar em algumas situações na casa, nomeadamente essa parte do caixilho. Na altura estávamos a desenhar – aliás, está em desenho e penso que está a ficar pronto – um sistema de caixilho com base nesta imagem minimalista, mas que introduzia outros elementos. Para aquela casa em concreto introduzíamos a madeira.

SN: Ok.

CA: E depois era tentar fazer um caixilho um pouco inspirado ou referenciado no desenho dos caixilhos e dos vão dos anos 50 e 60, em que o objectivo principal (entre outras coisas) era conjugar várias tipologias de abertura, de vãos e janelas no mesmo sistema. Ou seja, eu tenho um caixilho de correr e quero pôr uma bandeira para ventilações naturais, de forma a que isto esteja enquadrado no mesmo desenho. Não ser como se vê hoje em que se tem uma janela de correr e quero anexar outra tipologia qualquer de abertura e aquilo é mesmo anexar, parece que não faz parte do mesmo desenho. A casa também ia ser a base, o espaço experimental para essas soluções. Provavelmente quando estiver feito, o caixilho irá ser substituído. Assim como a madeira sempre foi minha intenção... a madeira que está no exterior agora que já está estabilizada, já está mais queimada...

SN: Na fachada, não é?

CA: Sim, do volume exterior. Pegar nessa madeira e aplicá-la no interior e a do interior pô-la no exterior para que com o tempo ganhe a mesma cor. E isto era para tentar procurar esta madeira com esta tonalidade mais cinzenta.

SN: Quase como o betão, não é? Quase como se os dois se fundissem...

CA: Exactamente. Ao fim destes anos todos parece que se vai fazer isso. 

Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês - Imagem 3 de 14
© Hugo Carvalho Araújo

SN: Ai é?

CA: Não é uma operação fácil. E por essas razões é que esta é uma obra muito presente, que me diz muito porque convida a estarmos sempre envolvidos com ela. Penso que será nos próximos tempos que vamos fazer essa mudança de pôr o que está no exterior no interior e o que está no interior no exterior para obtermos aquele resultado que sempre foi aquilo que eu defendia para a casa: não ter tanto aquela madeira com aquela tonalidade, mas ter uma madeira mais queimada, mais estabilizada com o tempo. 

SN: Que tivesse a marca do tempo.

CA: E é isso que se vai fazer. 

SN: Arquitecto José, muito obrigada por esta conversa, por partilhar as histórias do processo desta casa, o quanto ela foi experimental e continua a ser uma verdadeira casa viva. Estou muito curiosa para ver o resultado desta nova experiência porque é com estas experiências que também vamos evoluindo e vamos criando conhecimento. Muito obrigada pela sua partilha!

CA: Obrigado eu. Espero que tenha corrido bem!

Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.

Galeria de Imagens

Ver tudoMostrar menos
Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Projetar respeitando o lugar: entrevista com Carvalho Araújo sobre a Casa do Gerês" 23 Out 2021. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/969406/projetar-respeitando-o-lugar-entrevista-com-carvalho-araujo-sobre-a-casa-do-geres> ISSN 0719-8906

Mais entrevistas em nossoCanal de YouTube

¡Você seguiu sua primeira conta!

Você sabia?

Agora você receberá atualizações das contas que você segue! Siga seus autores, escritórios, usuários favoritos e personalize seu stream.